Meditação,
no entanto, requer algum esclarecimento. Tradução incorreta do vocábulo
sânscrito dhyána, o termo meditação foi
universalizado e, por isso, agora é impossível substituí-lo. Contudo, quando
falamos com pessoas mais informadas, preferimos utilizar designações tais como intuição
linear ou supraconsciência. Pois, na verdade, “meditar” em Yôga significa exatamente o oposto do
que essa palavra traduz.
O
dicionário diz que meditar é pensar, refletir sobre algo. Contudo, a proposta
do exercício chamado dhyána é parar as ondas mentais, es- vaziar sua mente de
pensamentos, suprimir a instabilidade da cons- ciência (chitta vritti
nirôdhah), Yôga Sútra I-2.
Para
quê parar de pensar? Na verdade, o culto aos “milagres da sua mente” e
venerações aos poderes mentais só são concebíveis por parte de pessoas semi-leigas.
Para quem já conquistou estágios mais avan- çados no Yôga, a mente é uma
ferramenta muito rudimentar, lenta, limitada e falha.
Fernando
Pessoa, poeta e filósofo português do século passado, concorda:
“Há
metafísica bastante em não pensar em nada.
Que
tenho eu meditado sobre Deus e a alma e sobre a criação do Mundo?
Não
sei. Para mim, pensar nisso é fechar os olhos e não pensar.”
Assim
como durante o dia o sol eclipsa a sutil luminosidade das estrelas e elas não
nos aparecem, da mesma forma cada manifestação mais densa eclipsa as mais
sutis. O corpo físico eclipsa o emocional. O emocional eclipsa o mental. E o
mental eclipsa o intuicional, onde se processa a verdadeira meditação.
Por
isso, quando queremos cultivar ou explorar as emoções, como no caso de uma
prece ou mesmo de um relacionamento afetivo, procu- ramos o aquietamento
físico. Quando queremos desimpedir o mental, buscamos o aquietamento emocional − não há lucidez mental se o indivíduo está emocionado. Da mesma forma, se
queremos chegar à meditação, precisamos aquietar a mente. Ou melhor, um
dispositivo muito mais vasto que a mente, algo que no Yôga denominamos chitta.
Ao aquietar esse veículo ou instrumento, afloramos um outro estado de
consciência superior, que estava todo este tempo eclipsado pela mente. Tal
estado é chamado supraconsciência (dhyána).
Por esse motivo o homem comum não consegue meditar: seu organismo mental está
todo o tempo turbinado.
Rámakrishna
comparava a mente humana com um inquieto macaco, que tivesse tomado álcool,
tivesse sido picado por um escorpião e, ainda por cima, se lhe tivesse ateado
fogo ao pelo! Assim somos nós.
Para
alcançar sucesso no Yôga precisamos primeiramente retirar o fogo (pratyáhára);
depois, retirar o veneno do escorpião (dháraná); em seguida, retirar o álcool
(dhyána); e, finalmente, retirar o próprio macaco (samádhi).
Da
mesma forma como não conseguimos enxergar o fundo de um lago cuja superfície
esteja turbulenta, uma pessoa não pode conhecer o fundo de si mesma se sua
mente (personalidade) estiver agitada, instável.
Shiva Shankara, em seu estado meditativo
Mas,
como alcançar a estabilidade da consciência? Como desabrochar a
supraconsciência? Como fazer fluir a intuição linear? O processo é simples, só
requer disciplina e constância.
Tudo
se baseia singelamente em exercer concentração duas ou mais vezes por dia,
fazendo com que a mente se eduque e deixe de dispersar-se o tempo todo. O
alimento da mente é a diversificação. Por isso as pessoas gostam de
divertir-se, e as coisas novas fazem tanto sucesso.
Se
você negar à sua mente essa dispersão compulsiva, ela primeiro vai reagir como
uma criança (que ela é) e vai fazer birra, vai espernear e dizer que quer parar
o exercício, que quer sair, que quer dispersar, pensando noutra coisa, fazendo
outra coisa, qualquer coisa! Depois, aos poucos, vai-se disciplinando e
conseguindo extrair um prazer muito especial em permitir-se ficar alguns
instantes todos os dias, fazendo uma catarse que consiste em esbanjar o que nós
temos de mais escasso e precioso: o tempo.
Só de
“ficar quietos” já estaremos recarregando nossas baterias. Mas meditação não é
isso. É o que vem depois. Meditação é quando ocorre uma mudança de canal pelo
qual flui a consciência. Normalmente, ela flui pelo mental, ou pelo emocional,
ou pelo físico. Mas poucas pessoas experimentaram desligar todos esses
circuitos e deixar a consciência fluir por um canal mais sutil, mais profundo,
chamado intuicional.
Enquanto
está falando, trabalhando, estudando, viajando, divertindo- se, você está
recebendo informações do exterior. Para ter insights é preciso parar tudo e permanecer sem bombear registros de fora para
dentro. Só assim você consegue inverter o fluxo da percepção e fazer aflorar o
que está em seu interior. É aí que tem lugar a criatividade artística ou
empresarial. É aí que ocorre o autoconhecimento.
Um
pequeno truque: se você ficar com o rosto contraído ou as costas encurvadas,
será mais difícil meditar. Experimente sentar-se ereto e adotar um ar de leve
sorriso. Verá que este pequeno artifício o ajudará a superar os primeiros
bloqueios.
Outra
dica: quanto menos você variar o método, mais rapidamente conseguirá entrar em
meditação. Variar é dispersar. A dispersão é o alimento da mente. Sem a dispersão,
a mente tende a aquietar-se e pára de eclipsar o estado de intuição, mais
sutil. Neste livro, oferecemos 52 métodos de meditação para que o leitor possa
escolher o que considerar mais simpático ou efetivo. E também a fim de que o
instrutor disponha de um repertório variado para utilizar nas suas aulas. Não
obstante, devemos alertar os praticantes de que se aplicar sempre o mesmo
suporte de concentração, atingirá seu escopo com mais rapidez.
Como
saber se já alcançou o estado de meditação ou supracons- ciência? É simples: se
formula essa dúvida, você não meditou. Se meditasse não teria dúvidas! Mas a
recíproca não é verdadeira. Se não tiver dúvidas, isso não é garantia alguma.
Você pode ter entrado em auto-hipnose ou em alguma psicopatia se foi mal orientado
por ensinantes não-formados. Nesse caso, ao invés de despertar uma megalucidez,
o praticante entra num mundo de devaneios e alienações. Isso é muito freqüente
quando aventureiros tentam fazer meditação sem sua infra-estrutura natural que
são os demais angas do Yôga que a precedem: mudrá, pújá, mantra, pránáyáma,
kriyá, ásana, yôganidrá.
Fonte: Meditação e autoconhecimento, DeRose