“Só
posso crer num deus que saiba dançar”
Nietzsche
Tirando toda
a questão técnica dos mudrás (gestos feitos com as mãos), dos mantras
(vocalização de sons e ultra-sons), dos pránáyámas (respiratórios), ásanas
(técnicas corporais de força, flexibilidade, equilíbrio), Kriyá (atividade de
purificação das mucosas), yôganidrá (descontração), samyama (concentração,
meditação e hiperconsciência), o que o Yôga tem de tão sinônimo assim com a
dança?
Vamos abordar
aqui a questão mitológica, histórica e humana. Até porque, para quem acompanha
o blog, já pôde perceber que a prática do Yôga complementa qualquer outra
prática pela maestria em proporcionar consciência corporal e desenvolvimento
pessoal em acelerado processo evolutivo.
Eu, executando o êkahasta êkapáda dhanurásana
Foto de Fer Vasconcelos
A conexão
entre a Dança e o Yôga
“Certa vez um
famoso bailarino improvisou alguns movimentos instintivos, porém, extremamente
sofisticados graças ao seu virtuosismo e, por isso mesmo, lindíssimos. Essa
linguagem corporal não era propriamente um ballet, mas inegavelmente, havia
sido inspirada na dança.
A
arrebatadora beleza da técnica emocionava a quantos assistiam à sua
expressividade e as pessoas pediam que o bailarino lhe ensinasse sua arte. Ele
assim o fez. No início, o método não tinha nome. Era algo espontâneo que vinha
de dentro, e só encontrava eco no coração daqueles que também haviam nascido
com o galardão de uma sensibilidade mais apurada...
... Em algum
momento na História essa arte ganhou o nome de integridade, integração, união:
em sânscrito, Yôga! Seu fundador ingressou na mitologia com o nome de Shiva e
com o título de Natarája, Rei dos Bailarinos.” (DeRose, Tratado de Yôga, p.33)
Rachel Brice, estuda Yôga e Dança do Ventre
Shiva
Natarája, o Bailarino Real
Leia mais
sobre a dança de Shiva - o criador mitológico do Yôga, o primeiro yôgi e Mestre
de todos os demais - no post:
Decifremos a dança de Shiva.
Shiva Natarája, o bailarino real
O deus da
dança e do teatro
“Segundo a
cosmologia hindu, o universo não tem substância. A matéria, a vida e o
pensamento são apenas relações energéticas, ritmo, movimento e atração mútua.
Podemos então conceber o universo o princípio, que dá origem aos mundos, às
diversas formas de ser, como um princípio harmônico e rítmico, simbolizado pelo
ritmo dos tambores, pelos movimentos da dança de Shiva, na qualidade de
princípio criador, não profere o mundo, dança-o. “Quaisquer que tenham sido as
origens da dança de Shiva, ela tornou-se com o tempo a imagem mais clara da
atividade de Deus, que nenhuma arte ou religião pode vangloriar-se de ter
inventado.” (Ananda Coomaraswany, The Dance of Shiva, p. 67)
Segundo o
escritor grego Luciano (século II d.C): “Parece que a dança surgiu no começo de
todas as coisas e manifestou-se ao mesmo tempo que Eros, o antigo, pois vemos
essa primeira dança aparecer claramente no bailado das constelações e nos
movimentos imbricados dos planetas e das estrelas e suas relações numa harmonia
ordenada.”
Shiva, como
manifestação da energia rítmica primordial, é o “senhor da dança” (Nata-rája). O universo cósmico é seu teatro. É o dançarino
itifálico princípio de toda a vida. O que liga o Criados à criação, o ser
divino ao mundo aparente, pode ser exprimido em termos de ritmo, movimento, de
dança. O Criador dança o mundo, e, por analogia, a dança dos homens pode ser
encarada como um rito, como um dos meios pelos quais iremos poder remontar à
origem das coisas, aproximarmo-nos do divino, unirmo-nos a ele.
Todas as
formas de danças e de espetáculos de teatro estão sob a égide de Dioniso, que é
invocado no início de cada espetáculo. Shiva é do mesmo modo invocado antes de
toda dança ou espetáculo...” (Alain Daniélou, Shiva e Dioniso, p. 177)
Eu, executando o úrdhwa natarájásana
Foto de Fer Vasconcelos
Enquanto
isso na física quântica...
… Até Fritjof Capra, no seu conhecido livro O
Tao da Física,
também enaltece a dança em sua física quântica que na essência é Yôga também.
"As idéias de ritmo e de dança
vem-nos naturalmente há memória quando procuramos imaginar o fluxo de energia
que percorre os padrões que constituem o mundo das partículas. A física moderna
mostrou-nos que o movimento e o ritmo são propriedades essenciais da matéria e
que toda matéria, quer aqui na terra, quer no espaço sideral, está envolvida
numa contínua dança cósmica. Os místicos orientais tem uma visão dinâmica do
universo, semelhante a da física moderna; consequentemente, não é de
surpreender que também eles tenham usado a imagem da dança para comunicar a
intuição que tinham da natureza."
Concluímos
que tanto quanto o Yôga, a Dança é uma das artes mais antigas da humanidade e
ambas continuam sendo grandiosas na atualidade. Tais artes desabrocham no ser
humano como uma expressão de autoconhecimento e integração. Integração esta do
homem consigo mesmo, do homem com o universo que o rodeia, do micro com o
macrocosmos. Possuem suas mitologias e simbolismos particulares, porém, é muito
provável que suas origens tenham sido as mesmas.